da janelinha

14:40


Meu irmão não parava quieto, parecia não saber lidar com o que acontecia, se mexia, corria, falava, carregava minha mala pesada e da altura dele como se fosse uma das suas miniaturas de carrinho. O braço esquerdo do meu pai circundava os ombros da minha mãe, um apoio e um aviso, ele sentia o mesmo que ela. E o mesmo que eu. E o mesmo que meu serelepe irmão. Subi os três degraus do ônibus com uma felicidade tão grande que escorreu pelos olhos, não olhei para trás porque Segunda-feira batia na porta e Jaraguá me esperava. Sentei na poltrona três pela segunda vez em três dias, ajeitei as coisas por ali e ergui a cabeça a tempo de dar tchau pela janela minúscula do meu lado direito, assim que ergui meus olhos para dar uma última olhadela neles, me arrependi. Meu pai abraçava minha mãe meio de lado, enquanto ela, com a cabeça repousada em seu ombro, quebrava nosso combinado de não chorar. Meu irmão, por mais incrível que pareça, estava parado ao lado dela, abraçando a mulher mais importante de nossas vidas, com o rostinho meio vermelho, um sorriso pequenino aparecia ali, mas era quase invisível. Fiz um coração com as mãos pra ele dar uma risadinha, funcionou e eu vi as covinhas que tanto amo – e que dizem ser idênticas as minhas – apareceram nas bochechas do moleque. O ônibus deixou a rodoviária e eu deixei que os fones de ouvido me isolassem e permitissem que umas três ou quatro lágrimas rolassem de meus olhos.

Desde que me lembro por gente sei que amo meus pais mais que tudo no mundo, aos oito anos aprendi que também deveria amar meu irmão na mesma quantidade, mesmo que de vez em quando parecesse que não. Aprendi isso na teoria, vendo filmes, ouvindo as declarações dos meus pais e do pequeno, sabia que os amava, porém não sentia esse amor todo. Ou melhor, sentia, sentia-o muito bem em cada detalhe que preenchia nosso dia-a-dia, entretanto a comodidade cegava meus olhos e eu não reconhecia como cada gesto deles era um pedacinho daquele amor. Nossa pequena família sempre foi unida, passamos por todos os caminhos possíveis juntos, às vezes desejando ficar separados, mas sempre fazendo as pazes antes do Natal. Quando tomei minha decisão e resolvi ficar, sabia que seria difícil, para mim e para eles.

Aos domingos inevitavelmente a saudade se torna mais forte, aprendo a cada dia uma nova forma de lidar com o vazio da presença física, com a falta do cheiro de mãe e dos olhares de pai. Percebo que em pouco mais de dois meses muita coisa mudou, lembro de quando meu irmão disse que preferia que eu não ficasse, mas que era a vida e tinha que ser assim, me senti uma criancinha ouvindo o irmão mais velho falar. Hoje percebo como essa decisão me fez bem, como me faz bem a cada novo dia, por mais que às vezes pareça que nada seria mais maravilhoso do que ter eles aqui.


Algumas vezes na vida escolhemos caminhos que acabam por revelar faces de nossa personalidade que jamais esperávamos encontrar. O lado bom de viver é esse, ter o direito de escolher, de errar, de chorar, de sentir saudades. Os pequenos acontecimentos que formam o mosaico de nossos dias é que são importantes. Não sabia como reagiria com a falta da minha família, aprendi com cada um dos sentimentos possíveis que circundaram minhas emoções que no fim das contas aquelas três pessoas vistas da janelinha do ônibus são um dos motivos que fazem essa vida valer a pena, ver a felicidade deles – seja longe, seja perto – é o equivalente a ser feliz mil vezes e que chorar, por mais ruim que seja, faz bem, lava os olhos e hidrata a pele. 

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