"Você me pergunta sobre aquilo que mais temo. Deve sabê-lo, senão não teria perguntado. É a perda do meu leitor, o homem para quem escrevo. Meu maior medo é de que um dia, inesperada, subitamente, eu possa perdê-lo. Nunca nos vimos, nunca nos falamos diretamente, ainda que através da escrita nossa intimidadde seja completa. Minha relação com você é intensa porque é mantida diariamente, através de minhas horas de trabalho. Eu me sento, envolvido no meu cobertor, meus papéis incoerentes à minha frente na mesa. Abro um espaço para escrever por você, para você, contra você. Você é a marca da maré na ponte, o nÃvel a ser alcançado. É o rosto que sempre evita meu olhar, o homem que acaba de sair do bar. Procuro por você através das espirais de minhas frases. Jogo fora páginas inteiras de manuscritos porque não consigo encontrá-lo nelas. Procuro-o nos detalhes mÃnimos, no contorno de meus verbos, na qualidade de minhas frases. Quando não posso mais escrever porque estou cansado demais, minha cabeça dói, meu braço esquerdo está paralisado pela tensão, e me deixo ficar irresoluto, levanto-me, saio, bebo, ando pelas ruas. O sexo é um gesto breve, dissipo meu corpo com dinheiro e medo. Na sensação aguda que enche o espaço vazio antes que eu vá de novo à sua procura. Não me arrependo de nada, a não ser da frustação de ser incapaz de alcançá-lo. Você é a luva que eu acho no chão, desafio diário que assumo. É o leitor para quem escrevo.
Você nunca me perguntou a quem mais amei. Já sabe e é por isso que nunca me perguntou. Sempre amei você."
Paul Michael - Paris, 1° de junho de 1984.