tormenta em clara

16:26



  Sempre fui meio fechada, vivendo minhas próprias histórias dentro do único lugar onde fico só de verdade: minha mente. Desde pequena, quando contava minhas historinhas para as paredes do banheiro, mamãe já dizia que eu vivia dentro de uma bolha. Hoje posso concordar com a senhora, mãe. Crio um mundo particular onde a influência de elementos externos é inexistente. Apesar de saber que é errado, é inevitável imaginar como eu gostaria que minha vida fosse, impossível não sonhar com as cartas e rosas que sempre vi as mocinhas de meus nobres livros recebendo, por mais brega que seja.

  Com o tempo endureci, mas só um pouquinho, não o bastante para perder essa mania de sonhar com os olhos abertos em plena tarde tediosa de estudos. Não mudei nem mesmo quando um tornado de olhos negros invadiu minha vida e a deixou tão bagunçada quanto o quarto deste mesmo individuo. Sempre soube que depositar expectativas em outras pessoas era certeza de uma coisa: decepção. Não há bola de cristal que adivinhe os desejos de ninguém, nem tecnologia que leia mentes bem o bastante para que o provável não acontecesse: eu me decepcionei.

  Se a vida acontece nos detalhes, meu amor nunca existiu de verdade pois as últimas coisas que aquele exótico rapaz conseguia perceber eram meus detalhes. Não digo isso com mágoa, não mesmo porque fui agraciada com muitos bons momentos durante nossa aventura, porém nenhum deles que um desconhecido não adivinhasse. Fomos previsíveis demais, meu bem. Nos amamos pouco, nos conhecemos menos ainda e então aquela tênue linha se quebrou, aquele detalhe ínfimo que até hoje você se pergunta qual foi simplesmente sumiu. Nossa fagulha apagou e este sentimento tão ranzinza que é a decepção tomou conta de mim. Em um segundo eu poderia imaginar nossas viagens ao redor do mundo e então, você me decepcionava novamente. Essa mania de procurar dores onde antes só existia amor nos reduziu a discussões, a falta das surpresas diárias e as infinitas dores de cabeça por banalidade até me deixaram corajosa o bastante para deixar de lado meu mundo particular e me arriscar a descobrir o que se passava com você. Desculpe-me se fui relapsa, mas o amor não resiste a tudo, querido. Ele enfraquece, fica doente, quebra...e consertar tudo sozinha perdeu a graça depois da quinta vez. Assim como lhe esperar as sete, quando você chegava as nove e meia e nem ao menos comia a fria janta posta sobre a mesa. Decepção. Será que foi nisso que você se transformou? Ou seria mais correto alegar que nos decepcionamos?  Preciso ser justa e admitir que não sei o que se passava em sua cabeça.

  A chuva ininterrupta e os constantes relâmpagos me fazem lembrar de como era bom ter você no sofá da sala em noites de tormenta. Tormenta lá fora e aqui dentro, mas não posso fazer nada além de desabafar comigo mesmo, além de lamentar a perda de meu furacão, a falta das gargalhadas e da falta de jeito com romantismo. Não é culpa sua, não se preocupe em tentar decifrar as entrelinhas, porque não há nada nelas além do já exposto. Sinto sua falta, mas vivo nos detalhes, a espera das surpresas que você não retribuiu e da pontualidade que você nunca levou a sério.
Com sinceridade e carinho,

Clara.

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