com açúcar e afeto

18:32




 Minhas mãos estão suadas e meus dedos tremem tanto que é preciso tomar cuidado ou então o aparelho de celular se encontrará com o chão facilmente. Tento respirar fundo e rir de quão patética pareço no momento, mas o máximo que consigo é um revirar de olhos e fazer uma careta que ninguém viu nem verá.  Aliás, garota boba, telefones não mostram seu rosto, se contenha!, grita minha voz interior, que roubou todo minha coragem e guardou para si. Tento pensar nos prós e contras da ligação e solto um suspiro, é só uma ligação, nada demais.

 Será que vou parecer muito idiota ligando? Penso roendo a unha. Eu já fui idiota o bastante para começar com isso, acho que não há como ser mais ainda, não é? Rolo pela cama e procuro meu gato, talvez ele me acalme.

 Seu toque no meu celular é tão escandaloso quanto a maneira que estamos levando isso. Qual é? Logo agora que eu tomei coragem você resolve ligar? E se eu não tiver assunto assim? Por que você precisa ser tão imprevisível? Atendo logo, garota!, grita mais uma vez minha consciência.

 –Alô? –tento parecer calma.

 –Oi? Eu tenho uma entrega de batata-frita e suco de abacaxi para a casa amarela... –a voz que me tira do sério é a que mais me faz sorrir.

  Injusto que você se porte tão calmo quando eu nem ao menos consigo completar uma frase sem gaguejar e me enrolar. Odeio falar ao telefone, mas falar ao telefone com você é pior ainda, as palavras pesam mil quilos e minha língua se enrola.

 –Hum... –tento pensar em algo engraçado para retribuir o riso, mas ouço você rindo e esqueço o que viria a seguir.

 –Não posso fazer entrega a domicilio, ainda –ele dá ênfase à última palavra –mas se você topar, eu posso lhe sequestrar e então...

 É cômico como sempre –sempre mesmo –depois que desligo o telefone e corro para me arrumar o sorriso de cabide que fica estampado em meus lábios é o atestado de como sou boba por ainda temer que não tenhamos assunto, que eu não saiba o que falar ou então, que você não me atenda.

 Procuro sua jaqueta de couro que eu roubei para mim e assim que a encontro, pulo a janela. A adrenalina que corre por minhas veias é tão excitante que nem mesmo tropeçar, como é de costume, me irrita. Viro a esquina e ali está você, fazendo a moto vermelha rugir e um sorriso enorme se revelar por trás do capacete preto.

 –Oi? –A voz grave e macia me faz estremecer.

 –Oi, oi –respondo risonha, tentando maquiar meu nervosismo com a descontração.

 –Batata-frita e suco de abacaxi, here we go! –Subo na moto gargalhando com o inglês falho que você teima em usar para me provocar.

A cidade noturna vibra ao nosso redor enquanto você faz o arrepio mais profundo transpassar minha coluna dirigindo a motocicleta com uma mão enquanto a outra entrelaça com a minha. O medo é substituído pela enorme dose de adrenalina, fico quase bêbada só com o vento.

É estranho como os semáforos se tornam tão confortáveis quando estamos juntos. Não sou paciente e sempre reclamo de pegar algum fechado, mas com você eles poderiam se colorir todos de vermelho sem me arrancar uma bufada sequer. Nossas conversas de dois minutos são as mais desconexas possíveis e eu nem me importo se os motoristas do lado pensam que somos loucos ou pervertidos, ao menos somos felizes.

Chegamos, fugitiva ele declara enquanto tirar meu capacete e me abraça forte. Está na hora de você aprender como se abre e fecha um capacete, linda ele sussurra risonho.

Há há há, você é muito engraçado mesmo ele gargalha da minha indignação ao comentário.

Não sei abrir ou fechar um capacete porque não vejo nenhum motivo plausível para aprender. Diga-me você, leitor, por que eu deveria aprender algo assim quando as mãos quentes que eu tanto gosto o fazem por mim? Não que algum dia eu vá admitir isso em voz alta.

Batata-frita é comida de gordo comento em provocação, passando a mão pela barriga inexistente que ele tem.

Então eu peço uma porção pequena pra mim e salada pra você, pode ser? Ele rebate, rindo como sempre.

Enquanto ele trava a moto eu respondo a mensagem apreensiva da melhor amiga, sempre preocupada.

Larga esse celular! Ele rouba o aparelho e o guarda no bolso, pegando minhas mãos e beijando-as, sua tentativa baixa de não receber um merecido tapa.

Então larga essa moto e vem comer! Fiz bico.

Não sou o tipo de pessoa birrenta, que faz bico. Mas com você eu me transformo em alguém muito diferente, então nem me espanto mais.

Enquanto me arrumava, tentando parecer despreocupada com o que você acharia da roupa, pensei em todas as loucuras que já cometemos juntos, de todas as vezes que pensei que não iríamos escapar ou que não iria acabar bem, mas que você sempre dava um jeito de nos salvar. O objetivo de uma amizade assim, nunca é acabar em romance, em paixões mal resolvidas, ao menos o meu objetivo era este. Pensar que era, no passado, me faz ter muito medo. Onde é que nós vamos parar?

−...E uma torre de chopp de um litro, por favor o sorriso que ele direciona à garçonete quase a faz cair, pobre moça!

Ah, um suco de abacaxi com hortelã também completo, fazendo com que ela perceba que eu estou ali, com o moço do sorriso devastador.

A garçonete se retira e então o tal do sorriso é laçado a mim. Tudo bem, sou imune a ele quando meu teor alcoólico ainda é baixo, sou forte. Ele arqueia a sobrancelha e eu reviro os olhos, nossas conversas por expressões são sempre as mesma: ele quer um beijinho e eu me nego.

Vem aqui, senta do meu lado sem esperar por resposta ou reação ele se encarrega de me puxar até a outra cadeira, eu que não me nego a quase nada, vou.

Antes de você eu não iria e hoje não vou por nenhum outro homem, não vou porque nenhum outro homem conseguiu me deixar mole em menos de um segundo, nenhum outro arrancou tantos sorrisos e tantas lágrimas ou foi tão honesto e gentil como você foi. Então eu vou, de bom grado e bonito sorriso.

O que você queria me contar de tão importante? Indago não conseguindo mais conter a curiosidade que me corroía desde o telefone.

Você não pode brigar comigo, promete? Ele ergueu o dedinho e eu revirei os olhos, porém prometi mesmo assim.

Não vai me dizer que tu fez merda implorei, por favor, não queria mais sustos.

Eu fiquei com saudades ele confessou baixinho, quase como se fosse um crime.

Fiquei confusa com suas palavras e o modo como ele as trouxe, como assim saudades? E por que isso era tão importante? Quando meu interrogatório habitual estava para começar a garçonete apaixonada chegou com nossos pedidos: batata-frita, salada, frango, chopp e suco. O maldito pediu mesmo a salada, não contive meu olhar mortal ao perceber que estava tão concentrada no sorriso sedutor que ele havia direcionada à moça que nem ouvi o pedido completo.

Depois você apanha e ainda acha que pode reclamar belisque o braço tatuado com as unhas afiadas.

−Aiii –ele exclamou, o rosto se enrugando todo enquanto avaliava o braço. –Sou amparado judicialmente, sua malvada!

−Amparado pelos direitos dos animais, amor? – provoco, dando um pedaço de frango em sua boca enquanto ele rugia como um felino.

−Aham, linda –ele chega perto do meu ouvido para sussurrar: −Já que tenho uma cobra, você sabe.

Minha gargalhada muda é incontrolável, quem em sã consciência diz isso em uma lanchonete abarrotada? Para completar você ainda faz sua melhor cara sedutora, eu que já não me aguento quase choro de tanto rir.

E é sempre assim: apaixono-me por você a cada piada maliciosa, a cada confissão sorrateira. Me apaixono lenta, porém profundamente porque sou humana, tendenciosa ao erro.

Depois de meia torre de chopp, que junto com você equivalem a apenas uns dois ou três copos, lembro de nossa conversa interrompida e retorno ao assunto, quebrando o silêncio confortável que se apoderara de nós assim que nos aconchegamos um no outro para observar o local e comer.

−Ei, me fala o que você queria me contar –peço manhosa, olhando para cima, para os olhos quase verdes.

−Eu já falei –ele lembra, encabulado. –Era isso, mas eu disse que tinha algo pra contar porque eu sei como tu és, não ia querer vir. Eu gosto disso aqui, de passar um tempo contigo, é bom.

Sei que minha sobrancelha se arqueou em descrença, mas nem tento disfarçar. Meu coração acelera porque nunca planejei ouvir algo do tipo, não sei como reagir. Como assim você tem saudades? Nós nos vimos ontem! Ao invés de impor perguntas e mais perguntas o que consigo fazer é sorrir, amolecida como sempre. Você se aproveita do poço de gelatina que me transformei para vir com suas fungadas no pescoço e seus beijos por todo lugar, até que eu não resista mais e procure sua boca. Sempre eu, nunca você.

−Você é a melhor amiga do mundo –ele declara com os lábios parcialmente colados aos meus –amo você mais que do que você pode imaginar.

Confesso que ouvir que sou a melhor amiga do mundo me deixa com um sentimento agridoce. Gosto de ser a melhor amiga do mundo, luto por isso todos os dias, quero ser o melhor para os meus anjos. Porém ouvir isso dele faz com que uma pontinha de tristeza cresça dentro de meu âmago, faz com que umas lágrimas bem pequeninas se aninhem na borda dos meus olhos. Eu sei que não deveria sentir isso, mas não posso fazer nada para mudar.

Aliás, queria muito contar que sou apaixonada por meu melhor amigo, queria poder olhar nos fundos daqueles olhos que tantas vezes já me fizeram a pessoa mais feliz do mundo e dizer com todas as letras, com todos os sons, com toda a vontade e sem nenhum medo que me apaixono mais e mais a cada minuto, a cada segundo e que por mais estranho e sentimentalista que seja é assim mesmo e não tem outro jeito de expressar.

Como é de se esperar, não digo nada. A insegurança de acabar com algo que tem prazo de validade é maior que a coragem típica dos amantes, não é apenas falar, confessar, se fosse só isso, já teria contado há muito tempo. Ninguém pode me julgar por não querer ser aceita por pena, porque eu posso aguentar qualquer coisa vinda de você, até outra garota mais bonita e simpática, mas nunca pena.

−Vamos pra praia? –pergunto subitamente, interrompendo a sessão de beijos-na-lachonete-escura.

−Agora? –Ele pergunta espantado, mas nem tanto, já está acostumado. –São três horas da manhã! Tem certeza?

−Você tá com medo? –faço a pergunta que o tira do sério, que o faria ir até o inferno se fosse preciso, apenas para provar o contrário.

E então lá vamos nós, mais uma loucura, mais uma aventura para ilustrar o álbum de coleção das nossas histórias. Lá vamos nós viver mais um pouco em nossa quarta dimensão, onde nossa história dura o tempo que bem entendemos e tem a intensidade que bem queremos. Lá vamos nós, amar o mar e amar nós mesmos.

22.11.12


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