telefone em branco
19:06
O sol crepitava sobre a cabeça da pequena menina que andava
nervosa pelo pátio da casa onde já vivenciara tantas aventuras. O coração batia
descompassado enquanto as mãos pequeninas seguravam trêmulas um aparelho
proibido para alguém de sua idade: o celular.
Ela sabia que não deveria seguir em frente, atrás da
curiosidade que tantas vezes já a colocara em situações impensáveis. O problema
é que a garota de olhos amendoados entendia coisas demais para sua idade e
precisava tirar a prova de que estava realmente certa. O que ela não conseguia
entender naquele momento era o causador de tamanhas sensações ruins que ela
tampouco conhecia. Perguntava-se porque precisava tanto que aquele aparelho
grande e complexo funcionasse e a fizesse ouvir a única voz que ela realmente
repudiava. Por que ela não podia seguir o curso normal de sua vida amando e
respeitando o pai que fora destinado a ela? Os olhos se enchiam de lágrimas ao
relembrar a última vez em que vira o homem que deveria amá-la mais que a vida,
mas que voluntariamente abriu mão do direito.
A pequena de cabelos curtos e rebeldes sabia que era
especial, tinha pouca idade, mas maturidade suficiente para saber que não
deveria se preocupar com aquele desconhecido, pois fora agraciada com um anjo
de olhos que refletiam o céu e que a amava mais que sua própria vida, como
sangue de seu sangue. Mas o instinto crítico e curioso que desde sempre espreitara
dentro dela fez com que não conseguisse dar o braço a torcer para aquele que a
renegara. Ela queria uma explicação e a teria, porque se preparara para ser a
melhor e deixar aquele homem das sombras arrependido.
O ruído das pedras a tirou dos devaneios e a fez voltar ao
presente. O telefone celular continuava ali, imponente e impotente, apenas
esperando que os números que borravam o papel estampassem sua tela. Antes de
começar a digitá-los ela precisava se acalmar, respirar fundo, parar de tremer
e encher os olhos de lágrimas. Aos poucos, com muito esforço e autocontrole,
foi conseguindo voltar ao seu estado habitual. As mãos continuavam a tremer,
mas os olhos mostravam com clareza quem ela era: transbordavam de determinação.
Começou devagar, repetia o número baixinho, conferindo-o
três ou quatro vezes antes de passar para o próximo, ela tinha apenas uma
chance. Cansou os dedos pequeninos de tanto apertar firmemente os botões duros
do tal celular quando enfim chegou ao fim lembrou de como a sua mãe ligava para
a tia ao fins de semana: apertando o botão verde.
Um toque até então estranho preencheu seu ouvidos e fez com
que os olhos se esbugalhassem automaticamente, o autocontrole se desfez assim
que o segundo toque chegou e então o coração disparou como um cavalo de corrida
assim que ouviu uma voz grave dizer “Alô”.
Sabia que era sua única chance, não a deixaria morrer ali.
−Alô,
que-quem é? – Pigarreou
e fechou os olhos. Controlou-se, pensou. Pressionou o botão vermelho.
E então sua
única chance se foi.
2011, 2004.
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